Encontrada solução para o acúmulo de isopor
Larvas do tenébrio-gigante se desenvolvem normalmente comendo apenas isopor; enzimas que quebram poliestireno podem ser usadas em reciclagem
Por: Ronaldo Godoni | Meio Bit | 14 junho 2022.
Em uma de suas mais famosas esquetes, George Carlin (1937 – 2008) disse que quando a humanidade desaparecer da face da Terra, uma das poucas coisas que deixaremos para trás é o plástico em suas várias formas, entre elas o isopor, um dos materiais mais resistentes à degradação. São 400 anos até ele sumir, ficando atrás do vidro (~1 milhão de anos) e outros plásticos (450 anos).
Quase nenhum produto à disposição hoje pode dissolver isopor, fazendo dele um problemão ecológico, como todo plástico. No entanto, uma pesquisa recente confirmou algo que o conhecimento popular já sabia: larvas do tenébrio-gigante (Zophobas morio), um “super inseto” explorado comercialmente em todo o mundo, pode se alimentar de uma dieta exclusiva do material, e decompô-lo inteiramente.
Um dos grandes problemas em relação ao poliestireno expandido, o nome técnico do isopor, vem do fato que embora ele possa ser reciclado e reaproveitado (moído, ele pode ser incorporado à argamassa, por exemplo), vem do fato dele acabar sendo descartado de maneira errada, indo parar no lixo comum e consequentemente, em aterros.
Ema vez na natureza, como todo plástico, o isopor levará séculos para se decompor, e para combater esse problema, cientistas vêm estudando há várias décadas no desenvolvimento de novos materiais, solventes e métodos que possam permitir a quebra dos plásticos e isopor em outros componentes, quando a reciclagem não é uma opção.
O problema, não há nenhum método hoje eficiente o bastante que supere campanhas de descarte correto e posterior reciclagem e reaproveitamento, o que depende de uma cadeia muito bem estabelecida para o recolhimento do isopor, e também de campanhas para educar a população e empresas. Desnecessário dizer que dada a quantidade de plásticos em geral na natureza, isso não vem dando certo.
O poliestireno sólido, quando puro, é usado na confecção de pipetas de laboratório e outros recipientes translúcidos, já o de alto impacto, que possui 10% de polibutadieno na composição, é empregado na confecção de brinquedos, placas de trânsito e outros materiais que exigem resistência. O isopor ainda o mais usado, e sozinho responde por de 7% a 10% de todos os plásticos não-fibrosos produzidos.
Se reciclar tudo não é tão simples, resta encontrar formas de decompô-lo, onde o tenébrio-gigante entra.
Trata-se de uma larva de besouro bem conhecida do grande público, mesmo no Brasil, onde ele é o inseto mais explorado comercialmente do país. Ele é uma fonte poderosa de nutrientes e pobre em carboidratos, e comprado principalmente por criadores de répteis, mas também vem sendo estudado como base da alimentação para humanos, mesmo fora de situações drásticas.
A parte interessante sobre os tenébrios-gigantes, que muita gente já sabia, está no fato deles serem capazes de se alimentar de isopor, sem isso causar danos às larvas, mas ninguém sabia efetivamente qual o limite de poliestireno expandido que eles poderiam comer.
Agora, um artigo (cuidado, PDF) publicado na Microbial Genomics, por pesquisadores da Universidade de Queensland, Austrália, revelou não haver limite algum. Conforme a pesquisa, tenébrios-gigantes conseguem digerir poliestireno completamente, graças a uma mistura única de enzimas providas por bactérias em seus tratos digestivos, e extrair quase todos os nutrientes de que precisam.
Surpreendente, os pesquisadores constataram que a taxa de metamorfose não caiu tanto em comparação a uma dieta tradicional (ração), que provê gorduras ausentes no isopor. Nos testes, 92,9% dos insetos alimentados com farelo chegaram à fase de besouro, contra 66,7% dos que comeram só poliestireno expandido. Isso mostra que os tenébrios-gigantes são basicamente decompositores naturais de isopor.
Segundo o prof. Dr. Christian Rinke, um dos co-autores do estudo, uma análise do suco gástrico permitiu isolar os genes dos micróbios que produzem as enzimas capazes de decompor isopor; o desafio agora é reproduzir o processo em escala, de modo a desenvolver métodos que possam fazer a quebra do material na natureza, até porque não dá para produzir tenébrios o suficiente para isso.
Referências bibliográficas
SUN, J. et. al. Insights into plastic biodegradation: community composition and functional capabilities of the superworm (Zophobas morio) microbiome in styrofoam feeding trials. Microbial Genomics, Volume 8, Nº. 6 (2022), 19 páginas, 9 de junho de 2022. Disponível aqui.
Fonte: The University of Queensland, Australia