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Externalidades Positivas são Simpáticas, mas não Óbvias.

Embora a proposta de produzir algo positivo para a sociedade e o meio ambiente seja louvável e deva ser incentivada ao máximo, infelizmente como veremos o conceito de externalidade positiva na forma em que é aplicada, inexiste na teoria por trás de seu conceito, sendo reduzida apenas a uma ferramenta de marketing para minimizar o peso por trás das ações negativas da corporação.

Não é de hoje que vejo na divulgação sobre estratégias de sustentabilidade corporativa a ideia de externalidades positivas. Frequentemente também se apresentam ações com o propósito de transformar as externalidades negativas em positivas.

A Eficiência de Pareto

Na teoria econômica, o conceito de externalidade nasce no princípio da alocação ótima de recursos, conhecido como Eficiência de Pareto.

Segundo este princípio para a economia operar com máxima eficiência é necessário que seus atores possam utilizar (alocar) os recursos que necessitam da maneira o mais eficiente possível sem, no entanto, impedir que outro ator o faça.

Ou seja, no estado ótimo de funcionamento da economia, se um de seus entes utilizar mais recursos que lhe é cabido, outro não terá acesso ao que lhe é devido, gerando perda de eficiência no sistema.

O exemplo clássico utilizado é o caso da poluição hídrica.

Considere uma empresa a qual decide não utilizar seu dinheiro em uma estação de tratamento de efluentes, destinando este montante para o processo produtivo (maximizando o uso de seu recurso financeiro), utilizando o recurso rio como meio de dispersão de seus efluentes.

Rio abaixo, temos uma cidade que se utiliza deste mesmo rio como recurso para captação de água. Com o aporte destes efluentes o uso desta água fica prejudicado e ou a cidade necessita buscar novas fontes de água ou melhores sistemas de tratamento.

Em ambos os casos a eficiência do uso do recurso foi prejudicada pela ação da empresa.

Aqui temos a situação onde a Eficiência de Pareto é violada, pois um ator (empresa) maximiza o uso de seu recurso (lucro) ao maximizar o uso do recurso rio (capacidade de diluição de efluentes) resultando no prejuízo na alocação eficiente de recurso (impostos) pela cidade a qual teve a eficiência de seu uso do recurso rio (água potável) prejudicada.

Pode-se perceber que as relações são complexas, envolvendo diversos aspectos.

Uma vez que, para a economia operar de forma ótima, é necessário que a Eficiência de Pareto ocorra, quando esta é violada temos aquilo que a economia define como falha de mercado.

Na situação acima descrita a empresa gerou um impacto negativo (dano) tanto social quanto ambiental. Entretanto este dano pode ser eliminado com a construção de sua estação de tratamento de efluentes, a construção de um sistema de tratamento de água para a cidade ou pagar uma compensação para a cidade de alguma forma, permitindo que a cidade volte a utilizar o recurso hídrico de forma eficiente.

Poluidor Pagador

Aqui temos o Princípio do Poluidor Pagador. O responsável pelo dano é responsabilizado por sua correção.

Neste cenário, como a empresa percebeu, e assumiu, o dano gerado, dizemos que a externalidade foi internalizada.

É necessário um pouco de atenção a este ponto, pois, embora um impacto possa ser uma externalidade, externalidades são os impactos não passíveis de internalização.

Esta compreensão é fundamental, pois raramente um impacto é tangível (pode ser mensurado) e, portanto, internalizado.

Retornando ao caso anterior e substituindo a empresa por um conjunto de empresas que contribuem para a contaminação do recurso, onde não é possível identificar pontualmente a causadora do dano? Como fazer com que os responsáveis assumam a externalidade gerada?

Esta situação fica mais clara quando consideramos a poluição atmosférica.

Um conjunto de empresas produz combustível que é revendido por outro conjunto de empresas e utilizado em veículos, muitos dos quais produzidos de forma a utilizar ineficientemente o recurso (gerando mais emissões) e como consequência temos mais pessoas faltando ao trabalho devido a problemas respiratórios.

O Direito de propriedade

O dano é claro, prejuízo à qualidade do ar resultando em dano à saúde das pessoas. Mas e a cadeia de responsabilidade? Fica um pouco mais complexa e gera outra falha de mercado, a necessidade da intervenção externa, do governo, para solucionar o problema.

A ação específica do governo apresenta outra característica do problema das externalidades, o direito de propriedade.

Quando um ator causa dano à propriedade de outro, temos uma situação definida entre o gerador e a quem cabe o direito de solicitar reparação, presente no exemplo da poluição do rio.

Ao tratarmos de bens públicos, sem direito de propriedade estabelecido (sobretudo intangíveis como a paisagem ou na poluição aérea) não apenas a intervenção de um agente externo é necessária, mas outra característica fundamental da externalidade se evidencia, a inexistência de vínculo ou relação entre o agente gerador e o afetado.

Como vimos, um aspecto fundamental é a necessidade de ação externa ao gerador para que este adote uma solução.

Independente da origem desta ação, se o público, o governo ou mesmo o mercado demandando ações mais sustentáveis, sem sua ocorrência o agente causador não irá agir para evitar ou reparar o dano. 

Não coincidentemente temos inúmeros casos de empresas “respeitáveis” sendo descobertas violando alguma regulamentação ambiental ou trabalhista em sua cadeia.

Externalidades

A externalidade pode ser definida como 1) os custos que as pessoas afetadas incorrem devido a uma ação, mas que 2) não são percebidos pelo agente causador, sendo considerados externos ao processo econômico gerador.

Quando estes custos podem ser quantificados e compensados pelo poluidor, eles são internalizados nos custos produtivos eliminando a externalidade e também corrigindo o desequilíbrio do mercado.

O poluidor não mais poderá atingir uma maximização de utilidades que possa afetar a eficiência de terceiros.

O conceito de externalidades positivas deriva da possibilidade de um processo resultar em benefícios indiretos a terceiros.

Um exemplo comum é o provimento de néctar para apicultores como consequência de um sistema agrícola e em retorno o serviço de polinização realizado. São dois sistemas não relacionados, mas que se beneficiam mutuamente.

Outro caso é a recuperação de uma nascente, a qual irá fornecer água de melhor qualidade às pessoas à jusante, pela instalação de um Sistema Agroflorestal.

Também se pode apresentar o desenvolvimento da economia local em função da instalação de um indústria.

São três casos comuns de apresentação de externalidades positivas, mas somente um é de fato (naturalmente são exemplos simples para uma abordagem didática).

O segundo caso apresenta características distintas dos demais.

  1. Possui relação indireta entre o gerador e os beneficiários.
  2. O agente gerador, agrofloresta, não é afetado pelo impacto gerado.

Quanto ao primeiro e último casos, ambos são beneficiados em uma relação direta de seus impactos. Estes são, portanto, percebidos por ambas as partes, estando internalizados nos processo. Neste caso trata-se apenas de impactos positivos.

Vemos ainda que no segundo caso ocorre na verdade a recuperação de um dano (perda da nascente por desmatamento) e por consequência do serviço ambiental associado.

Assim, dadas as características inerentes da própria definição de externalidades, esta somente se configura na inexistência da relação direta de custo/benefício entre quem gera e quem sofre o impacto.

Desta forma observamos que as externalidades, positivas ou negativas, não são tão óbvias como podem parecer e resultam de intrincadas interações, estando além daquilo que pode ser simplesmente mensurado, resultando em consequências imprevistas de um dado processo.

No momento em que o impacto é diretamente percebido e contabilizado, deixa de existir uma externalidade ficando resumido apenas a um impacto, positivo ou negativo.

Consequentemente uma externalidade propositalmente gerada não é uma externalidade, mas apenas um impacto.

Ao final das contas, o balanço entre os impactos negativos e os positivos será o fator determinante para a verificação da eficácia das ações de sustentabilidade de um determinado sistema produtivo.

Para saber mais: Introdução à Economia Ambiental, Economia Ecológica e Valoração Econômica.

*As opiniões veiculadas nos artigos de colunistas e membros não refletem necessariamente a opinião do GREEN BUSINESS POST.

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Julio Campos

Oceanógrafo com habilitação em Desenvolvimento Costeiro; Mestre em Ecologia com foco em Hidrobiologia; Doutor em Planejamento Energético com ênfase em Economia Ambiental; Estágio Prodoc em Engenharia Ambiental direcionado para Análise de Impactos Offshore da Exploração de Petróleo. Autor de diversos artigos e livros sobre sustentabilidade; Peer reviewer para periódicos nacionais e internacionais no tema. Coordenou o desenvolvimento e execução de projetos sobre sustentabilidade, em suas três esferas, e inovação em tecnologias limpas, tecnologias sociais e desenvolvimento econômico de cooperativas na cadeia de reciclagem. Foi consultor ad-hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia para a avaliação da viabilidade de projetos. Colaborador do Núcleo de Estudos em Contabilidade e Meio Ambiente na FEA/USP, atualmente utiliza a análise de sistemas complexos no estudo das causas da perda de sustentabilidade, identificando como estas podem prejudicar as ações de sustentabilidade propostas para o combate aos problemas ambientais e sociais, sobretudo no setor corporativo.

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